sexta-feira, 29 de maio de 2009

Agir, reagir e interagir


*Por Francisco Gregório Filho
Meus avós, já próximos dos 90 anos de idade, decidiram ampliar suas atividades culturais, constituindo um grupo de contadores de histórias. Nomearam o grupo de Lendo e Contando. O grupo é formado por meu avô, minha avó e mais oito amigos vovós e vovôs.

A proposta do grupo é a de ler e contar histórias para crianças, jovens e adultos inclusive, os grupos chamados da “melhor idade”. Essas leituras e essas contações de histórias acontecem em espaços dos mais diversos, tais como bibliotecas, escolas, universidades, clubes, centros comunitários, casas de leitura, hospitais e clinicas e até em casas das famílias moradoras nos bairros da cidade.

O grupo desenvolveu a formação de um repertório para todos os gostos, bastante plural, uma escolha generosa. Um acervo iniciado com as lendas, os mitos, os romances, as fábulas, os contos populares, os contos autorais, poemas e os ritos de passagem.

Esses meus avós destacaram do livro Conversando sobre Educação em Valores Humanos, Editora Peirópolis, da escritora Marilu Martinelli, o seguinte trecho:

“A educação em valores humanos utiliza as histórias e os mitos porque evocam espontaneamente do interior da criança a admiração e a identificação com os valores e virtudes que eles personificam”.

“Os mitos, símbolos e imagens que aparecem nas histórias, narrativas e lendas incentivam-nos a olhar para dentro de nós mesmos e encontrar nosso verdadeiro self. Por isso, são forças mobilizadoras positivas que ajudam a construir a própria biografia.”

“Nos relatos dos heróis mitológicos está bem presente a busca em todas as etapas de cada aventura. Isso convida para a auto afirmação e uma participação ativa na vida.O herói enfrenta desafios e entra no desconhecido e geralmente encara o que mais teme. Isso facilita o enfrentamento do lado escuro da personalidade, os defeitos e erros. O herói vence os obstáculos que surgem porque acredita em si mesmo e na intervenção divina. Ele supera seus limites e sempre sai da aventura transformado em alguém melhor, mais livre e feliz. Desse modo, as crianças e os jovens descobrem potencialidades nela mesma e se capacita a efetuar mudanças nas convicções e no comportamento.”

“O ensinamento através das narrativas é atemporal, a transmissão oral tem a qualidade de poder ser empregada conforme a oportunidade.É eficiente para despertar o encantamento e a alegria. Daí, as crianças e os jovens podem se tornar menos violentos porque abrem o coração e adquirem esperança. Reconhecem suas possibilidades vendo que seres realizados e admirados tinham defeitos e dúvidas e os superaram. Vivendo os valores mesmo em ambiente hostil, eles também serão capazes dessa façanha.”

Um dia o Grupo Lendo e Contando foi a uma escola. Os narradores contaram histórias sobre os ritos de passagem para um auditório lotado de jovens, em uma escola formadora de professores, chamada ainda por minha avó de Escola Normal. Ritos de nascimento, da infância, da puberdade, de agregação, de separação e de marginalização. As jovens ficaram movidas com as histórias. Falaram como nunca, foi uma festa. Anotaram a bibliografia das histórias contadas e não cansaram de beijar vovô, vovó e seus companheiros de grupo. Quando estavam saindo, uma das alunas pediu para falar com vovó em particular.

Num canto da sala, vovó ouviu a história da moça, muito bonita, que estava cursando a segunda série ali na escola. Sonhava um dia ser professora, morava com os pais, que eram pobres, e estava precisando de um conselho. Queria que minha avó a auxiliasse a tomar uma decisão. Vovó, então, ouviu seu caso: engraçara-se por um dos professores. Ele era casado, tinha filhos, era moço, charmoso e muito sedutor. Professor conceituado na escola, levara a moça algumas vezes a um motel dos arredores e a engravidara.

Estava ela ali, diante da minha avó, já com o resultado do exame nas mãos. Vovó, então, perguntou-lhe se ela já o havia procurado para uma conversa. Ela disse que sim. “E então?”, perguntou vovó. Ele lhe dera um cheque e pedira que se virasse para tirar a criança, a solução seria abortá-la. Vovó perplexa pediu o nome do professor, a moça hesitou, minha avó a acalmou, não faria nada demais, seria apenas uma conversa com o “grande mestre”. Ela ligou para o professor e já marcaram uma conversa para o mais breve possível. Uma conversa entre os três, a moça, o professor e vovó.

Estamos preocupados com esse envolvimento de minha avó, mas sabemos que esse tipo de coisa é inevitável e que ela terá sabedoria para conduzir o encontro de forma tranqüila, a fim de tomarem decisões sensatas. O que vovó não perdoou a respeito do professor foi a transferência da questão exclusivamente para a moça, a imposição de que ela a enfrentasse sozinha. O professor também tem que participar, acompanhar, conversar, ser parceiro. É... essa é a minha avó. Que ainda comentou sobre a ética profissional do tal professor e essas questões mais complexas e dos valores humanos.

* Contador de histórias
** retirado do jornal Página 20

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