quinta-feira, 25 de junho de 2009

Direitos Autorais em debate!


Em entrevista, Gilvan Dockhorn fala sobre o tema de sua palestra no Seminário de Auto-Sustentabilidade Cineclubista


Por Helder Cavalcante Jr

As atividades cineclubistas estarão em evidência no “Seminário Circuito em Construção: Auto-Sustentabilidade Cineclubista”, que acontece nos dias 26 e 27 de junho, na Filmoteca da Biblioteca Pública Estadual. O evento é realizado pela Associação Cultural Tela Brasilis, com patrocínio do Ministério da Cultura. No Acre, a promoção é da Associação Samaúma Cinema e Vídeo, em parceria da ABDeC e Cineclube Batelão.

A discussão sobre “direitos autorais” vem tomando conta dos noticiários do Brasil e do mundo. Em épocas de democratização da internet e outros meios de comunicação e acesso à cultura – como os cineclubes –, a discussão sobre esse assunto é cada vez mais importante. Por conta desse contexto, direito autoral é um dos temas do debate.

O palestrante para este assunto é Gilvan Veiga Dockhorn - Diretor Regional do Conselho Nacional de Cineclubes/RS, Cineclube Vagalume/RS. Copyright, copyleft, entre outros pontos-chaves do universo dos direitos à propriedade intelectual serão abordados durante o encontro.

A entrevista abaixo foi concedida via e-mail por Gilvan. Confira um pouco do que vem por aí no Seminário

*Gilvan, a lógica atual de propriedade intelectual (os direitos autorais, patentes e marcas) segue a lógica pensada em sua criação?

Até o advento da sociedade capitalista as idéias, o conhecimento, as lendas, a história, a informação, o caldo comum de cultura eram transmitidos pela oralidade, pelo gestual e pelas artes (escultura, arquitetura, pintura). Não havia nenhuma espécie de apropriação que não a coletiva. Não havia autoria individual dos cantos, das encenações, do trabalho, das ferramentas e tudo era aprimorado e aperfeiçoado conforme o passar dos tempos como resultado de criações coletivas e do imaginário comum.

Mesmo com a adoção da escrita, essa característica permaneceu já que as possibilidades de cópia e circulação de bens culturais eram remotas em razão da ausência de tecnologia de reprodução das obras. É bom lembrar que qualquer produção cultural em qualquer época é “derivativa”, ou seja, somente produzimos com base na cópia, reelaboração e aperfeiçoamento; fomos e somos ao mesmo tempo produto e processo cultural. Com a sociedade do capital as idéias passaram a receber valores de troca. De uma cultura livre passamos para a cultura da “permissão”, onde os criadores podem criar apenas com a permissão dos que detém poder ou dos criadores do passado.

Na introdução da legislação (primeiramente o copyright) há mais de quatro séculos, não havia a possibilidade de “cópia privada” ou de “reprodução sem fins de lucro” na medida em que o monopólio de cópia garantia ao dono das máquinas o lucro. Quem não tivesse recursos, ficava excluído do processo e do acesso a esta criação. O direito de cópia era arma comercial de um empresário contra um outro. Atualmente essa situação não ocorre desta forma, o público se organiza, não opera mais nos marcos de emissor/receptor, produto/processo, ao ter acesso às máquinas (computador, gravador, fotocopiadoras etc.) que trocam informações sem a necessidade de um centro ou núcleo de recepção, pode fruir livremente das criações e interferir nessas.

A propriedade intelectual e o copyright (literalmente o direito de cópia) transformaram a cultura em propriedade privada, em mercadoria. Mesmo que na origem a idéia de direito do autor visasse proteger o criador, gradativamente, com as técnicas e os meios de produção concentrados em mãos de empresas e indústrias, os criadores se viram forçados a entregar/ceder sua obra, sendo esta mercadoria passou a lidar com a escassez e com as limitações de circulação; a cultura como mercadoria é de poucos e para poucos.

*Com a internet, o debate sobre direitos autorais tomou conta da opinião pública. Recentemente no EUA, a justiça tem condenado a prisão e multas altíssimas algumas pessoas por conta de downloads ilegais. Qual sua opinião sobre esse contexto?

A internet possibilitou uma nova forma de lidarmos com a questão da cultura, esta nova forma contradiz os interesses de indivíduos, entidades e empresas que atuam na “mercantilização” da cultura e na monopolização final dos meios culturais. A legislação - se pensada como interesse coletivo - deveria proteger o direito autoral do criador e impedir o perpétuo monopólio cultural de alguns poucos indivíduos, entidades e empresas. Contudo, atualmente ela representa uma contradição entre a cultura produzida socialmente e o seu acesso. O direito do autor e o copyright, da forma como estão estabelecidos, se confrontam com o direito social, da coletividade e as possibilidades de acesso, circulação e distribuição da cultura proporcionadas pelo avanço tecnológico.

Estes avanços tecnológicos na área da automação e da informática estão quebrando a forma como nossa cultura da permissão foi construída; a produção, o acesso, a distribuição, a circulação e a cópia podem ser realizadas sem pagamento ou pedido de permissão. Isso está possibilitando a quebra dos monopólios e da mercantilização da cultura. Como afirmou Lawrence Lessig, com a internet na escala atual, é impossível que ao desligar o modem as alterações por ela provocadas se acabem. Ninguém está totalmente offline. Porém, isso não significa perda aos criadores e inovadores, pois seus direitos de propriedade intelectual não foram quebrados, sua criação não foi deturpada ou apropriada por outro.

*Como você projeta o futuro da questão dos direitos autorais no Brasil e no mundo?

É uma questão em aberto; a sociedade em rede como chamou Castells faz com que todos os processos sociais, políticos e culturais se relacionem com uma infinidade de fluxos de informações; a internet e a lógica das culturas livres (softwares, licenças abertas como creative commons etc) quebram controles rígidos de forças econômicas e políticas enraizadas nas estruturas do Estado que encaram e se relacionam com a cultura como mercadoria. É bom lembrar que a cultura livre não é contra toda a forma de controle, ela opera com mecanismos que impedem o controle de alguns e ao mesmo tempo garante direitos aos criadores.

A concentração da capacidade de emissão de informações reduz o debate político, as expressões e identidades culturais bem como as representações do mundo social. O mercado não garante a livre circulação de bens culturais e nem mesmo o pluralismo de informações (vide a criação de megaconglomerados: Time com Warner, Time-Warner com CNN, Disney com ABC...). A base é a uniformização dos conteúdos. Por isso a internet se apresenta como ferramenta, não mais do que isso, fundamental na inversão desses processos. Contudo, o momento é impar e até agora as tentativas de controle e censura se revelaram inúteis (vide o caso do Irã), até porque a própria indústria produz ferramentas que burlam a legislação por ela defendida (ou seja, se condena a cópia sem autorização mas se lança no mercado produtos que tem a possibilidade de fazerem essas mesmas cópias: cds e dvds graváveis, gravadores, programas de gravação, enfim...).

O ideal seria proporcionar uma justa compensação pelo trabalho desenvolvido por um criador (um trabalhador do conhecimento) com a proteção da reprodução e da cópia de sua obra garantindo assim seu uso social e comum (já previsto em lei na forma do domínio público). O direito autoral fica preservado, o copyright, é que perde seu sentido pois limita a circulação de bens culturais. Por fim, quando a lei e a tecnologia entram em atrito, muda-se a lei e não se barra o avanço cultural em nome da defesa de mercado ou de interesses privados.

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